Conheça a trajetória deste gestor público educacional, que desde a infância carrega o interesse pelas novas mídias e tecnologias digitais e agora as emprega em prática para formar docentes preparados para utilizar as novas tecnologias, sempre com intencionalidade pedagógica.
O que é inovação educacional para você?
O conceito que predomina na Seduc é disruptivo. Nós falamos em “inovação na educação tecnológica de professores” e acreditamos que ela deve estar fundamentada na formação de professores para o uso das tecnologias digitais (com intencionalidade pedagógica) e no entendimento do estudante como protagonista da aprendizagem. É uma inovação que implica uma mudança de mentalidade na forma como os professores aprendem e ensinam dentro de ambientes educacionais enriquecidos com tecnologias digitais, conectadas ou não.
Como a gerência de Tecnologias e Mídias Educacionais da Seduc TO está trabalhando para promover essas transformações na prática docente?
Em 2017, quando cheguei à Gerência de Tecnologias, havia um esforço muito grande para formar professores para o uso pedagógico de tecnologias. As formações tecnológicas de professores, contudo, eram essencialmente à distância, por meio de plataformas digitais, como Moodle e e-proinfo (MEC). O que eu propus foi realizar oficinas de robótica educacional para iniciá-los nos princípios da aprendizagem criativa usando kits de robótica, minecraft online, Scratch e aplicativos, trabalhando com aprendizagem maker e gamificação.
A ideia soou estranha em um primeiro momento, pois muitos termos e conceitos ainda eram novidades para uma grande parte da secretaria. Até aquele momento, ensinávamos os professores a usar o Word, a elaborar uma apresentação em Power Point, a fazer buscas na internet, esse tipo de coisa. Contudo, eu disse que precisávamos nos preparar para uma revolução tecnológica e que deveríamos formular uma política pública estadual de inovação tecnológica educacional. Há tempos, quando eu ainda estava na Secretaria de Ciência e Tecnologia, eu tinha a ideia de que deveríamos ter espaços de aprendizagem para professores e alunos estudarem as novas tecnologias. A ideia finalmente será concretizada nas redes de Gurupi e Araguaína graças ao Projeto TO LIGADO – Iniciativa BNDES Educação Conectada (IEC).
Como tem sido a experiência de participar de um projeto nacional de implementação de tecnologias digitais nas escolas, a Iniciativa BNDES Educação Conectada?
Tem sido muito positivo. Logo no início o CIEB disponibilizou o Guia EduTec e a ferramenta de Autoavaliação de Competências Digitais para Professores, recursos que nos mostraram que todas as ações teriam de ser orientadas por um diagnóstico e que precisávamos compreender as necessidades dos professores. Também ficou claro que não adiantaria investir em equipamentos e recursos digitais se os professores não estivessem preparados – pelo menos aqui no Tocantins, temos docentes que precisam avançar em termos de competências digitais, considerando a matriz de 12 competências do CIEB. Essa contribuição foi muito importante para a secretaria.
Sobre os aspectos que estão avançando, eu destacaria, por exemplo, que os diretores de escola e os diretores regionais de educação estão mais abertos a propostas e projetos de formação de professores no uso de tecnologias digitais com intencionalidade pedagógica e inovação educacional, de maneira geral. Antes, havia muita desconfiança e sempre que alguma proposta aparecia, um grupo se levantava para dizer que as escolas não tinham conectividade, que os professores não estavam preparados. Hoje esse discurso está mudando, e os diretores das escolas estão se apropriando das formações e das oportunidades que estão surgindo. Quanto aos professores que participam do projeto TO LIGADO, eles passaram por encontros formativos e ainda teremos uma avaliação formal dos resultados dessas ações. Mas percebo que eles estão interessados e mais participativos no tema do uso de tecnologias educacionais, embora ainda questionem muito a falta de equipamentos. Na rede estadual, os computadores são de 2009 e os poucos disponíveis são usados pela administração escolar e coordenações pedagógicas. Há também poucos laboratórios. Araguaína vive uma situação semelhante, bem diferente de Gurupi, que tem computadores e conectividades para os professores trabalharem. Em termos de recursos educacionais digitais, temos evoluído também.
A partir de 2021 vamos adotar as plataformas Aprimora (no ensino fundamental) e Recode (no ensino médio), mas já usamos o Google For Education, Avamec, Escola Digital e o Moodle da Seduc, onde temos mais de 32 mil usuários cadastrados, incluindo servidores da rede municipal e estadual. A plataforma Moodle da Seduc foi atualizada em 2020 graças à Agência de Tecnologia da Informação (ATI), seguindo a política de modernização dos serviços e formações tecnológicas ofertadas pela Seduc à comunidade escolar e aos municípios.
Quando você começou a fazer parte do ecossistema da inovação educacional brasileira? Conte um pouco de sua trajetória até a Gerência de Tecnologias e Mídias Educacionais da Seduc TO.
Estou no serviço público há 15 anos, mas iniciei na Seduc TO somente em 2017, depois de ter passado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia e pela Secretaria da Fazenda, onde comecei como analista de sistemas. Na Secretaria de Ciência e Tecnologia, comecei a propor projetos para a juventude envolvendo jogos, animações, aplicativos e outras tecnologias digitais. Eu propus a criação de feiras de tecnologia e outros eventos e ainda a criação de núcleos para a produção audiovisual e a realização de atividades de iniciação científica – envolvendo a produção de jogos, aplicativos e cinema de animação – para jovens de ensino médio. Na época, julgaram o projeto ousado demais e sugeriram que o apresentasse a outra secretaria. Bati na porta da Secretaria de Juventude e Esportes, que desenvolvia ações para estudantes da rede pública, mas logo essa secretaria foi integrada à de educação, formando a atual Secretaria de Educação, Juventude e Esportes do Tocantins, onde estou hoje.
Quando você conta a sua ‘mutação’ de analista de sistemas para gestor educacional, parece que você já tinha um interesse pelas tecnologias digitais, pelos jogos, pela educação. Esses interessantes sempre te acompanharam?
Quando eu era criança, eu gostava de ver animações na televisão e de fazer jogos. Fazia jogos em folha de papel, com papel acetato, com papelão. Meus pais lembram disso até hoje [risos]. Depois fiz a minha mãe comprar uma enciclopédia de programação de jogos em Basic e, a partir daí, comecei a programar na cabeça – afinal, eu não tinha computador. Quando estava na 5ª série, decidi que seria analista de sistemas, desenvolvedor de games e arquiteto. Fiz um curso de edificações no ensino médio e, no vestibular, prestei tanto para Arquitetura como para o curso de Processamento de Dados. Fui aprovado nos dois e acabei optando pelo último. O ponto de virada na minha carreira aconteceu quando fiz uma pós-graduação em Produção de software, com ênfase em software Livre na Universidade Federal de Lavras (UFLA). Eu estava na Secretaria da Fazenda e comecei a propor aplicações, primeiro para a gerência de projetos, e depois para outras áreas, até que cheguei na Seduc.
Também teve um episódio com a minha filha, a Lara, que me direcionou para a área da Educação. Ela me questionou por que uma de suas professoras havia dito que não era possível aprender matemática com jogos, entendidos como brincadeiras reservadas para a hora do recreio. A partir daí, comecei a pensar como eu poderia ajudar a professora de minha filha, o que me levou ao mestrado em educação. Eu precisava entender melhor a linguagem dos pedagogos e também me aprofundar no conceito de aprendizagem mediada por tecnologias. Aprendi muita coisa, mas também entendi que os professores egressos de cursos de Pedagogia não têm acesso às novas linguagens digitais e ferramentas tecnológicas modernas. O que, talvez, explique as dificuldades de professores imigrantes da era dos recursos e métodos educacionais analógicos, centrados na maneira de pensar do professor, para a era dos recursos educacionais digitais, da hiperconectividade e das metodologias ativas de aprendizagem centradas no protagonismo e na criatividade dos estudantes.
Como é fazer transformações na gestão pública?
Eu percebo que as coisas mudam muito devagar, mas por um motivo razoável: você não pode mudar a vida de 167 mil estudantes (sem contar as famílias) e de 12 mil professores de forma brusca. A mudança também não pode depender apenas da gestão, da gerência, de um ou dos gestores. É preciso promover uma mudança generalizada, uma mudança de mentes, uma transformação na forma como professores, estudantes e gestores educacionais se apropriam das linguagens e ferramentas digitais, da cultura digital, e ressignificam a aprendizagem mediada por essas tecnologias. Dentro e fora da escola. Alguns não vão mudar, mas outros vão – e estes precisarão de ajuda. Como dizia Zygmunt Bauman, vivemos uma época de interregno, de experimentação de novas formas de fazer as coisas. Temos uma geração que aprendeu sem tecnologias e outra que já nasceu com as tecnologias. A mudança também necessita de coragem, de parceiros e de escuta. Precisamos necessariamente ouvir os professores e os estudantes para desenvolvermos, de forma colaborativa, uma política de educação tecnológica.
Tomando emprestado o guia de design thinking do CIEB (Design da Educação Conectada), não posso partir apenas de mim; preciso entender as necessidades deles. A cocriação também é muito importante; sou apenas um pedaço dentro de um quebra-cabeça. Agora se você me perguntar como tem sido para mim participar dessa transformação, eu responderia que está sendo muito gratificante. Quando começamos com as primeiras oficinas, sentíamos insegurança e tínhamos dúvidas se conseguiríamos atingir os resultados almejados. Hoje, não. Me senti seguro e com mais vontade de ousar à medida em que o projeto TO LIGADO avança no território de Araguaína e Gurupi. Também não me sinto mais sozinho. Muitas pessoas já mudaram, inclusive o corpo docente. Muitos professores estão superando barreiras para inovar e entendendo que não precisam sair do Tocantins para fazer isso. Basta olhar para o lado.
Publicado em: transformadores