Eu transformo a educação com tecnologia

Aldemira Araújo Câmara

Mesmo com obstáculos em termos de infraestrutura, rede pública de Manaus consegue incorporar tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem. Na visão desta professora formadora, o segredo está na resiliência e no engajamento do corpo docente. Confira também sua análise sobre os impactos da pandemia nas práticas pedagógicas.

 

Como foi trajetória profissional até a chegada na Gerência de Tecnologia Educacional? O tema da inovação educacional sempre te interessou?

Eu sempre gostei de trabalhar com jogos, pois desde o começo da minha trajetória profissional na Semed, há 22 anos, eu pude perceber o envolvimento das crianças com esses recursos, que lhes permitem participar mais ativamente das atividades. Mas o problema da infraestrutura, que ainda atinge tantas redes, também marcou minha trajetória. As salas de aulas na escola em que trabalhava tinham – como tantas outras – muitos problemas, começando pela falta de rede lógica e elétrica. Não dava para usar equipamentos, que, aliás, sequer existiam.

Eu me ofereci à direção da escola para buscar verbas via PDDE [Programa Dinheiro Direto na Escola] e comprar materiais para fazermos pequenos reparos elétricos que permitissem ligar os computadores numa sala. Conseguimos cinco equipamentos e, a partir disso, passamos a realizar algumas atividades com jogos digitais offline para alfabetização com o uso da tecnologia.

Alguns anos mais tarde, fui para a Gerência de Tecnologia Educacional, onde fui gerente e agora estou como professora formadora, sendo responsável pela formação continuada dos professores. Durante os sete anos em que fui gerente, dei muita ênfase às atividades de pesquisa, estudo e formação relacionadas ao uso de tecnologias educacionais. Em termos práticos, ensinávamos os professores a inserir as tecnologias na prática pedagógica, pesquisávamos e criávamos tecnologias, buscávamos softwares livres que pudessem apoiar as atividades e fazíamos dinâmicas criativas, como o uso do Scratch na versão online e offline nas escolas urbanas e rurais.  Aliás, as escolas municipais de Manaus estão ganhando destaque desde o ano de 2018 no evento Scratch Day, promovido pela plataforma, desenvolvida pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Qual tem sido o resultado desses programas de formação para professores e professoras da rede?

Assim como buscamos cativar os alunos, também buscamos conquistar os professores. Fazemos isso há 20 anos e temos bons resultados, pois nada é imposto. Para nós, está claro que a resistência que existe em relação à tecnologia não é à toa. Não é porque eles não querem usar, mas porque têm dificuldades. Com isso, estamos superando essa resistência, pois entendemos a dificuldade do professor, damos apoio, mostramos os benefícios. Essa abordagem torna as coisas mais fáceis. Mas, claro, os desafios continuam.  Atualmente, são 36 formadores para fazer esse trabalho de formação continuada, que envolve 12 mil professores da rede, de educação infantil à Educação de Jovens e Adultos.

A Semed tem uma longa experiência com algumas das ferramentas do CIEB. De que maneira essas soluções estão apoiando as ações da secretaria?

Quando veio o Programa Inovação Educação Conectada (PIEC), em 2017, havia a exigência de que utilizássemos a Guia EduTec, disponível na plataforma do PDDE. Essa foi nossa primeira experiência com o CIEB. Algum tempo depois, a Fundação Telefonica Vivo, parceira da Semed, também pediu o uso da ferramenta. O primeiro diagnóstico mostrou o que já sabíamos: o nosso problema era infraestrutura, pois, na medida do possível, tínhamos ações nas outras frentes [a ferramenta Guia EduTec avalia a adoção de tecnologias em quatro dimensões: visão, competências, recursos educacionais digitais e infraestrutura].

Posteriormente, fizemos uma nova avaliação e percebemos avanços na dimensão de infraestrutura. Com a pandemia, nós tivemos de melhorar. Precisou vir uma pandemia para que a urgência em investir em equipamentos e conectividade fosse percebida. Conseguimos investimento municipal para a manutenção dos espaços e recursos tecnológicos das escolas. No nível federal, também contamos com recursos do Programa Educação Conectada, mesmo não sendo um valor expressivo. Vale dizer que no início e no meio da pandemia, também aplicamos a Autoavaliação de Competências Digitais.

Em termos gerais, as ferramentas têm muita importância, pois ajudam os profissionais da Semed a enxergar o todo, a ter um olhar de gestão. Também vejo o Guia EduTec como um meio de conferir credibilidade ao que a gente faz e recomenda. A gente já sabia da necessidade de investir em infraestrutura, mas é diferente quando essa recomendação vem de um instrumento sólido, como o Guia EduTec. Não é um determinado gestor falando com base no que ele está observando, analisando, tem um peso diferente.

 

Você mencionou o uso da Autoavaliação na pandemia. Como essa crise afetou o corpo docente da Semed?

Tivemos muitos entraves, mas a pandemia acelerou um processo que demoraria anos. Boa parte dos professores não tem computadores e acesso à internet em suas residências, não tem celular com capacidade necessária para uso e compartilhamento de vídeos e imagens de alta qualidade sem comprometer seu pacote pessoal de dados. Também – enquanto professores formadores – não tínhamos uma infraestrutura adequada para realizar as formações das nossas residências… Ouvimos que o ano de 2020 foi perdido, mas não foi, não.

Dessa forma, em 2020, procuramos parceiros e professores que já tinham competências digitais para nos apoiar e desenvolver o “Projeto Aula em Casa”, realizado em parceria com a Secretaria de Educação do Estado [o projeto e parceria continuam em 2021]. Ocorreram outras ações coletivas com os próprios profissionais da rede municipal, inclusive para confecção, produção e distribuição de apostilas físicas e recursos digitais online.  Houve uma união de nossos profissionais (formadores, assessores, professores, pedagogos e gestores). O compartilhamento e a colaboração se tornaram práticas constantes.

Também buscamos doações, mas sem grandes resultados. Estamos na Zona Franca de Manaus, mas ninguém veio doar tablets para a rede municipal. Não vi nenhum empresário, nenhuma instituição de telefonia oferecendo com chip de graça. De qualquer forma, foi um ano de vitória e de resiliência. Não foi um ano perdido, longe disso.

Como é inovar na rede pública? 

É desafiador, pois precisamos conviver com insuficiências estruturais e de gestão dos recursos limitados que temos. Os professores precisam de apoio para avançar no uso das tecnologias digitais. Dessa forma, as escolas que conseguem prover esse suporte conseguem avançar mais rapidamente, diferente das demais. Mas o quadro está em transformação. A pandemia veio acelerar isso e mostrar outra realidade para as pessoas que diziam que não dava para incorporar as tecnologias por falta de recursos, de infraestrutura, de conhecimento. Muitos pedagogos e professores se superaram e mostraram que muitas coisas são possíveis, embora a gente ainda precise avançar muito. Temos problemas sociais sérios.

De qualquer forma, a pandemia demandou que virássemos a chave do presencial para o remoto em pouquíssimo tempo. Houve uma busca por querer fazer essa mudança, que aconteceu gradativamente e com muita criatividade. O ano de 2021 vai ser o ano de mais inovação ainda. Inovação na prática pedagógica com profissionais cada vez mais criativos e dinâmicos, com ou sem recursos digitais. Os professores estão se reinventando.

 

Publicado em: transformadores