Eu transformo a educação com tecnologia

Vagna Brito de Lima

À frente de vários projetos de inovação educacional, a gestora fala sobre o desenvolvimento de competências digitais entre docentes da rede estadual cearense e comenta os desdobramentos da pandemia nas práticas de ensino e aprendizagem

 

Em 2020, vocês decidiram aplicar a Autoavaliação de Competências Digitais para Professores, uma ferramenta do CIEB. Como se deu essa iniciativa?

A Coordenadoria de Formação Docente e Ensino a Distância (CODED/CED), criada pela Seduc-CE em 2019, oferece um programa de formação continuada para os professores da rede composto por vários itinerários formativos. Em 2020, em função da pandemia, decidimos criar um itinerário sobre competências digitais. Contudo, antes de propor o curso, queríamos investigar os saberes de nossos docentes e pesquisar matrizes de competências digitais para embasar o nosso programa. Foi essa pesquisa que nos levou ao CIEB, que propõe uma matriz de competências digitais construída a partir de referenciais internacionais importantes, mas adaptada à realidade brasileira. Nos debruçamos sobre a matriz do CIEB e depois fizemos uma grande mobilização para os professores realizarem a Autoavaliação – ação que foi muito bem-sucedida. Mesmo no meio da pandemia, com os professores muito ocupados, conseguimos um grande número de respostas.

De maneira geral, o resultado mostrou níveis de competências digitais muito bons em algumas áreas, mas deficitários em outras. Independentemente desses resultados, contudo, destacou-se o fato de que os nossos professores se mostraram muito abertos e interessados em se desenvolver nessa frente. Basta ver o número de inscritos no itinerário “Competências digitais para a docência”. Já são mais de 6 mil participantes. Ao final do curso, vamos estimular uma nova autoavaliação para comparar os resultados e extrair insumos para outras ações.

Esse interesse dos professores pelo desenvolvimento de competências digitais é uma novidade? A pandemia, de certa forma, favoreceu as iniciativas de inovação pedagógica?

Pelo menos desde 2014, quando o governo do Estado criou o Centro de Educação a Distância (CED), os nossos professores são estimulados a usar artefatos tecnológicos, gravar videoaulas e usar estratégias de educação a distância, por exemplo. Os nossos docentes também estão habituados a registrar as atividades da turma em sistemas digitais, todos disponíveis no Professor Online. Nesse sentido, partimos de um ponto mais confortável em comparação com muitas redes de ensino. Mas, claro, nem tudo são flores; ainda temos muitas dificuldades. A questão da acessibilidade a equipamentos e à conectividade é um problema, mas a rede está resolvendo isso com a distribuição de chips de celulares e a disponibilização de kits de gravação de aulas para os professores utilizarem nas escolas. Sobre a resistência de alguns docentes em relação ao uso de tecnologias digitais, ela ainda persiste em muitos casos. Porém, estamos trabalhando aspectos que despertam muito o interesse deles, como o conceito das comunidades de aprendizagem e a necessidade de adotar uma postura crítica em relação ao uso das tecnologias. Isso muda a chave.

Como tem sido para a secretaria de educação embarcar nesses projetos de inovação que envolvem o uso de recursos educacionais digitais?

Antes da pandemia, embora já tivéssemos algumas iniciativas de formação continuada de professores usando a estratégia da educação a distância (mobilizadas pela CODED) e plataformas digitais direcionadas para os estudantes, como o #enemnarede, não tínhamos uma política estruturada de educação a distância, como, aliás, ainda não temos. Contudo, agora a Seduc vislumbra com mais nitidez a possibilidade de usar melhor os recursos da educação a distância (como os ambientes virtuais de aprendizagem, comunidades de prática, as plataformas etc.) para melhorar o ensino presencial. Em outros aspectos, contudo, já estávamos bem estruturados e continuaremos nessa rota. Para dar um exemplo, criamos um sistema para fazer avaliações diagnósticas de nossos estudantes e indicar aos professores quais saberem precisam ser desenvolvidos, o SISEDU – Sistema Online de Avaliação, Suporte e Acompanhamento Educacional. Dentro da própria plataforma, o professor ainda encontra um material estruturado, bem como orientações para trabalhar o que foi observado na avaliação diagnóstica. O mais interessante é que são os docentes da própria rede que estão formando os professores. Essa formação entre pares é muito importante.

Como a senhora passou a fazer parte do ecossistema de inovação educacional?

Eu comecei lecionando História, primeiro na rede privada e depois na pública, o que aconteceu em 1998. Fiquei muito tempo em sala de aula até me tornar gestora/coordenadora escolar de uma escola em Sobral, em 2002. Essa passagem me despertou o interesse por outros assuntos. Fui instigada a compreender as políticas educacionais e acabei fazendo uma pesquisa sobre gestão democrática das escolas públicas, tema do meu mestrado. No doutorado, investiguei o projeto Professor Diretor de Turma, que existe desde 2008 na rede pública estadual de ensino do Ceará inspirado no sistema educativo português, onde existe desde 1968 e propõe, entre outras coisas, a “desmassificação” do estudante, ou seja, o acompanhamento personalizado, além dos instrumentais de registro das especificidades de cada um/a. Quando voltei da pesquisa em Portugal, fui para a Seduc, na célula de formação docente. O ano era o de 2018 e, como eu sempre estive muito próxima da formação docente, assumi a Coordenadoria de Formação Docente e Ensino a Distância. A coordenadoria ainda é nova. Ainda não temos a configuração de uma escola de formação docente ou um projeto amplamente estruturado. Mas a gente caminha nessa direção.

Qual é a sua ideia de inovação educacional?

A demanda por inovação na educação existe há muitos anos, mas o que eu acredito é que precisamos inovar nas formas de aprender e ensinar. Aqui no estado do Ceará, por exemplo, está se fortalecendo a perspectiva da aprendizagem cooperativa, colaborativa e em rede – o professor Manuel Andrade, da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem uma experiência sistematizada e implementada na rede pública de ensino cearense, vale conferir. Não adiantam recursos tecnológicos se o professor não conseguir enxergar novas formas de aprender com os estudantes e com os seus pares; a aprendizagem é mútua.

 

Publicado em: transformadores