No Brasil e nos EUA, secretarias de educação criam estruturas que têm como base a colaboração e a liderança compartilhada
por Vinícius de Oliveira
Levar a tecnologia para sala de aula e criar condições para o que professor sinta confiança de ensinar com metodologias ativas é um objetivo desejado por muitas secretarias de educação. Uma análise mais aproximada sobre o que acontece dentro das redes, no entanto, revela uma separação entre a área de tecnologia e a pedagógica. Tal postura acaba muitas vezes por travar desde a elaboração de formações assertivas para professores até a compra de recursos digitais para atender as escolas.
Entre as alternativas que permitem romper essa parede dentro das secretarias está a criação de um departamento para promover uma política de inovação, que tem como ponto de partida a colaboração entre todos os atores e tomadores de decisão. Para discutir os impactos desses núcleos, o CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira) reuniu no 18º Conecte-C – série de eventos para debater temas ligados ao ecossistema de inovação na educação –, Laura Souza, secretária-executiva da educação de Alagoas, e Lisa Duty, consultora da Innovation Partners America, nos Estados Unidos.
Como lembrou Lucia Dellagnelo, diretora do CIEB, na abertura do encontro, este é um tema que também desperta o interesse de empreendedores, que reclamam da falta de interlocução com o poder público. “Empreendedores sempre se perguntam com quem devem falar na hora de apresentar tecnologia. Por sua vez, secretarias lembram da fila de empreendedores batendo a sua porta e não têm a certeza de como vão incorporar essas tecnologias ao dia a dia”, disse.
Em Alagoas, o núcleo de inovação criado em 2017 tem concentrado esforços para mudar a visão da rede que ligava inovação ao uso de tecnologia exclusivamente digital – e especialmente cara. Além de abrir o horizonte de atividades que dispensam o uso do laboratório de informática (que segundo este artigo está sob risco de extinção), o novo departamento é responsável por fazer diagnósticos e propor soluções que atendam as necessidades dos professores.
“Desenhamos o Núcleo Estratégico de Inovação e Tecnologia na Educação com uma estrutura central que também está presente dentro de cada uma das regionais. Cada um desses braços é composto por técnicos responsáveis por mapear demandas e boas práticas das escolas, além de pensar a formação local”, disse Laura.
A nova estratégia da secretaria teve como norte as recomendações trazidas pelo Guia Edutec, do CIEB, que auxilia redes públicas em um processo de autoconhecimento de acordo com quatro dimensões: visão, competências, conteúdo/recursos digitais e infraestrutura.
“Temos deficiência de infraestrutura, mas a secretaria não avançava porque vivia presa a uma visão que não funcionava”, disse Laura. “Quando se discutia tecnologia, falava-se do PROINFO (Programa Nacional de Tecnologia Educacional), que já não estava mais rodando e nem dando resultado”, lembra.
Apesar de reconhecer o aperto no orçamento, a secretária-executiva diz que a mudança de estratégia tem permitido ao estado de Alagoas pensar a compra de tecnologia de um modo diferente, como no caso da compra de kits de robótica para 95 escolas para melhorar a aprendizagem de matemática.
“O uso não ficou restrito à sala de aula e professores começaram a participar de competições, de olimpíadas. Hoje temos um programa que mobiliza muita gente”.
Estados Unidos
Contratada pelo CIEB, pela Fundação Lemann e pela Omidyar Network para estudar como a criação áreas de inovação impulsionaram o uso de tecnologia em redes dos EUA, Lisa Duty traz o exemplo das redes estaduais de Rhode Island, Ohio e Carolina do Sul.
Em Rhode Island, rede que tem 120 mil alunos, a elaboração do plano para levar um ensino personalizado levou em conta medidas que fazem parte de qualquer política pública de sucesso, seja de tecnologia ou não:
– Engajamento: para que todos os interessados possam contribuir com o processo;
– Empoderamento: pessoas mais impactadas pelo plano próximas ao processo de tomada de decisão;
– Respeito: escuta de toda a comunidade para incluir o maior número de perspectivas possíveis;
– Transparência: publicação de todo o aprendizado.
Enquanto Ohio permitiu maior autonomia administrativa para os distritos e criou espaços para que educadores conseguissem experimentar, interagir e aprender, Lisa destaca a Carolina do Sul, que figura entre os estados mais pobres do país como o caso mais próximo à realidade de escolas e estudantes brasileiros. Por gerações, crianças negras tiveram deliberadamente negado o acesso à educação e a vulnerabilidade social faz com que os apoios necessários sejam mais amplos.
Com índices de aprendizado em queda, a secretaria de educação convocou empresas e população para dialogar e estabelecer metas sobre as habilidades que alunos precisam desenvolver ao longo da vida escolar. “Todo mundo sabe o que essas metas significam e o que é preciso fazer graças a um trabalho colaborativo e de liderança compartilhada”.
Com pesquisa aliada à participação da comunidade e o remanejamento de US$ 1 milhão no orçamento da pasta, foi criado um modelo que estabelece o que o estado entende como ensino personalizado e como pretende alcançar pelo menos uma escola em cada distrito. “É um ambiente de aprendizagem que reconhece que as crianças chegam até nós com um potenciais, necessidades e interesses únicos e que podem trazer questões que vão além das acadêmicas (psicológicas ou familiares)”.
Apesar de reconhecer que o contexto de redes e escolas brasileiras pode ser diferente do vivido nos EUA, Lisa ressalta que times dentro de secretarias devem estar atentos não apenas aos custos, mas aos objetivos de aprendizagem que produtos de tecnologia prometem solucionar. “Responsáveis pelo currículo e pela área pedagógica precisam estar ao lado de professores. Inovação é um esporte coletivo. Antes que seja tarde, é preciso criar esse hábito”.
Publicado em: Notícias Gerais