Diversos


Maritê Moro Neocatto

Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria (RS)

Coordenadora do Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal de Santa Maria

 

Com mais 20 anos de experiência no uso de tecnologias para educação, a gestora de Santa Maria (RS) fala sobre os desafios de inovar na rede pública e os meios de viabilizar transformações de forma sustentável

 

Qual é a trajetória do município de Santa Maria no uso de tecnologias na educação?

Esse processo começou em 1997, com o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), do MEC, época em que recebemos equipamentos e formação continuada para os professores. Tivemos melhorias, depois uma paralisação desse processo, e agora estamos em um novo ciclo de avanços no Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal de Santa Maria, o NTEM, com novos programas, projetos e parcerias e a participação na Iniciativa BNDES Educação Conectada, iniciada em 2018. É um processo lento, mas estamos avançando e, mais do que isso, conseguimos estabilizar o ciclo de avanços e retrocessos. Não tem mais como retroceder, pois agora temos os professores juntos nessa caminhada. Eles conseguiram observar na prática o quanto o uso da tecnologia facilita a vida deles e promove o aprendizado. Agora, só vamos para frente.

 

A pandemia teve uma participação nesse processo?

Sim, sem dúvida. Os professores avançaram 10 anos em um no que tange ao uso das tecnologias em função dos desdobramentos da pandemia e das vivências proporcionadas pelo NTEM e pela Iniciativa BNDES. Especificamente sobre a Iniciativa, os professores dos 1º e 2º anos, 6º e 9º anos, mais os coordenadores pedagógicos e professores ponto-focais das escolas contempladas, participaram das formações da Sincroniza [consultoria que realizou os programas de formação continuada previsto nas ações da Iniciativa BNDES Educação Conectada] e todos os  gestores foram mobilizados para enfrentar os nossos desafios educacionais – alfabetização, reprovação nos 6º e 9º ano e defasagem no 9º ano – com o uso de recursos digitais e novas metodologias. A pandemia veio, mas nós continuamos com a programação de formações, e o resultado foi muito bom. Logo no início da suspensão das atividades presenciais, os professores assumiram o compromisso de manter os alunos ativos e começaram a criar blogs, páginas na internet, grupos nas redes sociais. A instrução normativa, que regulamentou o ensino remoto, foi publicada somente em junho, mas meses antes nossos docentes já estavam conduzindo atividades remotas, que, aliás, foram validadas posteriormente. Trabalhamos muito, mas foi gratificante ver a evolução dos professores, que colocaram a mão na massa e se engajaram. O assessoramento do CIEB foi fundamental para esse processo, bem como o uso de algumas de suas ferramentas, como o Guia EduTec. Vamos fazer novamente a Autoavaliação de Competências Digitais de Professores e, certamente, vamos observar uma grande evolução.

 

E como foi a experiência para os/as estudantes?

Os alunos que têm conectividade conseguiram fazer um bom aproveitamento do ano letivo de 2020, embora os demais também tiveram a oportunidade de continuar aprendendo por meio de materiais impressos. Pela primeira vez, usamos um recurso tecnológico na alfabetização, a Plataforma Aprimora.  Cadastramos todos os alunos que tinham conectividade, usamos o recurso e foi um sucesso. A professora que se destacou nacionalmente no uso da plataforma é uma das professoras da rede.

 

Considerando sua experiência, quais são os grandes desafios dos gestores educacionais envolvidos em projetos de inovação e tecnologia?

As tecnologias digitais facilitam muito o trabalho docente, além de tornar as experiências de aprendizagem mais atrativas para as crianças e jovens. Mas incorporá-las na prática docente e na gestão escolar é uma tarefa árdua, especialmente nas redes municipais, que costumam ser mais pobres em termos de recursos. Há muitas lacunas de infraestrutura. Para exemplificar, os nossos laboratórios são da época do ProInfo, o que significa dizer que não conseguimos usar diversos recursos educacionais digitais. Há também muito trabalho para ser feito em termos de formação continuada. Na época do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), por exemplo, nós já enfrentamos dificuldades porque alguns docentes não tinham conta de e-mail para receber o material ­– isso em 2012 e 2013. Mas estamos observando uma evolução, que foi acelerada no último ano.

 

A falta de conectividade também não é um problema?

A questão da conectividade está mais bem encaminhada, pois o Programa de Inovação Educação Conectada (PIEC) libera dinheiro por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para a escola contratar internet banda larga. Estamos fazendo campanha para as escolas contratarem o máximo de velocidade possível. Tem até uma escola que já contratou e abriu o sinal para os alunos conseguirem ir lá e baixar os materiais. Mas dentro das escolas não há equipamentos, tanto que a Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria pediu para elaborarmos um projeto para toda a rede municipal nos moldes do modelo do CIEB.

 

Como será esse projeto?

É um projeto baseado no modelo das quatro dimensões, que são: visão, formação, recursos educacionais digitais e infraestrutura. Foi um aprendizado muito grande conhecer esse conceito. Quando a gente olha para trás e se pergunta o que faltou no ProInfo a gente enxerga essa falta de equilíbrio entre as dimensões. Somente distribuir equipamentos não funciona. O ProInfo, por não ter sido estruturado desta forma, não teve sustentação, continuidade. Agora a gente tem isso como experiência. Estamos montando uma estrutura para dar sustentabilidade ao projeto iniciado com a Iniciativa BNDES e evitar problemas com compra de recursos digitais sem utilidade, sem pensar na formação dos professores e na usabilidade dos mesmos. Precisamos ter essa visão do todo. Hoje, temos conhecimento para avaliar um recurso educacional digital, questionar sua utilidade e suas funcionalidade. Essa visão, que não tínhamos antes, nos trouxe repertório, criticidade. Para dar um exemplo, quando surgiu a ideia de adquirir o Aprimora para toda a rede, nós alertamos que o programa não roda nos computadores mais antigos (Linux educacional). Fizemos esse exercício com o CIEB, e agora temos uma visão mais aguçada. Outro aprendizado importante foi considerar a visão do professor. O recurso tem que facilitar, não pode ser um complicador.

Agora retomando a pergunta, nós vamos elaborar um plano semelhante ao que foi adotado nas escolas participantes da Iniciativa BNDES para toda a rede. A proposta será dentro das quatro dimensões e pretendemos iniciar pelos gargalos. Nos mesmos moldes, começar pela alfabetização, pois uma criança bem alfabetizada tende a ter um desempenho melhor depois, e também dedicar à passagem do 5º para o 6º ano, adotando uma abordagem baseada em projetos, e não mais em gavetas estaques. Com isso, nossos alunos estarão preparados para as etapas subsequentes da vida escolar. A rede municipal já tem um Programa de formação continuada de professores que poderá abarcar esta demanda.

 

Quais conselhos você daria para os gestores e gestoras públicas de educação envolvidos em projetos desafiadores de inovação e tecnologia e interessados na trajetória de conquistas de Santa Maria?

Temos que escutar o professor; é ele que está na ponta, atuando com os alunos. Nós, gestores e gestoras, não fazemos nada sozinhos, portanto, precisamos ouvir nossas bases, formar uma boa equipe e trabalhar dentro das quatro dimensões. E dentro das quatro dimensões, os gestores devem começar pela visão, mostrando as vantagens do uso da tecnologia e, se possível, oferecendo alguma vivência. As pessoas precisam se apaixonar pela ideia. O ProInfo não trabalhou essa visão. Os professores sequer eram liberados para fazer formação. Mas trabalhando a visão, muda tudo, pois é preciso acreditar que com o auxílio da tecnologia poderemos promover um ensino de qualidade.

 

 

 

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